Dias atrás uma cliente me procurou, inconformada com a ausência do pai na vida dos filhos, queria ver o genitor, desde já, pagando pelo sofrimento causado aos filhos pela ausência do afeto, do amor e da participação na vida dos pequenos.
Seguindo os princípios da nossa missão e visão, acolhi a mãe, com sensibilidade, dei o ouvido e o acolhimento que senti que precisava naquele momento e firmei compromisso de estudar a melhor forma de levar ao judiciário a demanda.
Em uma separação relativamente recente, pelo conhecimento e experiência que tenho, sei que a demanda seria sensível e dolorosa, levando em conta os anos que poderia “passear” pelo judiciário, mais uma história lamentável de um pai que a seu bel prazer, escolhe não cumprir com suas obrigações parentais, possibilitando assim, quadros de ansiedade, traumas psíquicos e sequelas físicas e emocionais à criança.
E afinal de contas, é possível cobrar do genitor ou da genitora por essa omissão de afeto, amor e participação na vida dos filhos?
A verdade é que o amor não se pode ser exigido, no entanto, há um projeto de Lei (3.212, DE 2015), que busca alterar alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, caracterizando assim o abandono afetivo como ilícito civil.
De acordo com o projeto, compete aos pais prestar aos filhos assistência afetiva, seja por convívio, seja por visitação periódica, que permita o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento. Compreender-se-á por assistência afetiva a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais, a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade e a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e possível de ser atendida.¹
Desde 2015, a discussão sobre a constitucionalidade do projeto de Lei trava uma guerra, de um lado, aqueles que creem que, ao Estado não poderá ser imputada a obrigação de intervenção na entidade familiar, para juramentar a existência do afeto. E por outro lado, a seguridade do menor, no acompanhamento pelos pais em sua formação moral, social, psicológica e em todas nas multiformas de constituição do indivíduo.
Enquanto a legislação se desdobra para a solução do tema, o judiciário já recebe algumas importantes ações, onde filhos, requerem a devida indenização pelo abandono afetivo, algumas inclusive com a procedência dos pedidos.
No Recurso Especial, de ação proposta em 2013, com decisão em terceira Instancia em 2020, a relatora afirma que, “o fato danoso e nexo de causalidade ficaram amplamente comprovados, atestando que as ações e omissões do pai acarretaram quadro de ansiedade, traumas psíquicos e sequelas físicas eventuais à criança, que desde os 11 anos de idade e por longo período, teve de se submeter às sessões de psicoterapia, gerando dano psicológico concreto apto a modificar a sua personalidade e, por consequência, a sua própria história de vida."² {grifo nosso}
Fato é que, não há como dissociar o sucesso do individuo como pessoa, excluindo o amparo e acolhimento afetivo das figuras maternal e paternal, em que pese, termos históricos raros, de pessoas que não o tiveram e conseguiram superar todos os desafios sem graves sequelas emocionais. Mas é sabido que são casos excepcionais, dado a comprovada importância do reforço positivo ao individuo em formação, comprovada por estudos científicos e sociológicos.
Como operadora do direito e defensora de todas as famílias, sirvo-me deste para também conscientizar a sociedade em relação aos deveres dos pais e como são importantes para o desenvolvimento psicológico e emocional de crianças e adolescentes, a saber o afeto assume uma posição de direito fundamental, dentro do direito das família. E isso precisa ser explanado em alto e bom som pelos profissionais do direito, pelas decisões nas tantas varas de famílias do nosso país, até que seja naturalmente cumprido por todos.
Este é o nosso desejo, desde sempre!
Dra. Keila Vania do Carmo
Sócia – Costa e Carmo Advogadas
¹ https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1999535
² https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=abandono+afetivo